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O que é Gestalt-Terapia? Como se realiza esse trabalho?

  • Foto do escritor: Eliane Farah
    Eliane Farah
  • 15 de set.
  • 11 min de leitura

Atualizado: 16 de set.

A Gestalt-terapia (GT) é uma prática clínica da Psicologia que tem como objetivo a busca da congruência entre os pensamentos, os sentimentos e as ações, estando toda a utilização de suas técnicas subordinada a tal objetivo.


Suas bases filosóficas são Humanismo, o Existencialismo e a Fenomenologia.

As principais influências teóricas são: a Psicologia da Gestalt; a teoria de campo de Kurt Lewin e a teoria organísmica de Kurt Goldstein.


A Gestalt-terapia enfatiza os aspectos conscientes e a experiência no presente do indivíduo.

Nessa abordagem, todo e qualquer objeto de investigação deve ser analisado dentro de uma relação figura-fundo ou parte-todo.


Atualmente, chama-se de abordagem gestáltica à utilização dos princípios da Gestalt-terapia em outras áreas da Psicologia, além da clínica.



Quais são os principais representantes?


O principal representante da Gestalt-terapia é Friedrich Salomon Perls, que americanizou seu nome para Frederick Perls e é mais conhecido por Fritz Perls.


Fizeram parte da organização teórica da Gestalt-terapia, além de Fritz Perls, sua mulher Laura Perls, Paul Goodman, Elliot Shapiro, Paul Weiz, Ralph Hefferline e Jim Simkin.


Na atualidade os prinicipais são: Erving Polster, Joseph Zinker, Gary Yontef, Serge e Anne Ginger, Cláudio Naranjo, Richard Hycner, Jean-Marie Robine, Violet Oaklander, Gordon Wheeler.



Qual o objetivo do trabalho terapêutico?


O principal objetivo da Gestalt-terapia é o de ajudar o cliente a alcançar awareness e desenvolver nele, uma atitude permanente para alcançá-la.


O gestalt-terapeuta tenta desenvolver no cliente uma atitude de congruência entre o pensar, o sentir e o agir.


Em termos práticos, o cliente deve aprender a discriminar sensações e sentimentos, identificar quais necessidades estão relacionados a esses e se responsabilizar pela satisfação dessas necessidades.


O terapeuta participa ativamente como facilitador do processo de awareness do cliente, sua presença é fundamental como parte da relação EU-TU que deve ser estabelecida para que o cliente possa experienciar seus sentimentos e sensações.


As maiores dificuldades para alcançar awareness residem na resistência da pessoa em entrar em contato com sentimentos e sensações que possam colocar em risco a “barganha” que o sujeito fez com o mundo e colocá-lo diante do risco de abandono.



Algumas diferenças entre a Gestalt-terapia e outras abordagens conhecidas.


Embora existam muitas diferenças entre a Gestalt-terapia e outras abordagens, podemos assinalar algumas das mais importantes.


Em relação à Psicanálise:

Enquanto a Psicanálise tem como principal objeto de estudo a dinâmica do Inconsciente, isto é, entender a dinâmica da personalidade envolve entender a dinâmica do Inconsciente. Para a Gestalt-terapia o principal objeto de estudo são os modos de interação da pessoa, isto é, para entender a dinâmica da pessoa é necessário ajudá-la a dar-se conta de como ela se relaciona. Enquanto a Psicanálise discute a relação terapeuta-cliente através dos conceitos de transferência e contratransferência, a Gestalt-terapia utiliza o conceito Relação Dialógica.


Em relação à TCC:

Enquanto a TCC visa à mudança de comportamento, a Gestalt-terapia busca desenvolver no cliente uma atitude de dar-se conta de suas necessidades e assumir a responsabilidade pelas suas escolhas, o que significa que o cliente pode não mudar o comportamento.


Em relação à Terapia existencial:

Embora a Terapia Existencial e a Gestalt-terapia tenham bases filosóficas comuns elas possuem muitas diferenças entre si.

A diferença mais visível talvez seja a da postura do terapeuta dentro da sessão. Enquanto o terapeuta de Existencial coloca-se menos envolvido na relação direta com o cliente (para não tirar a responsabilidade sobre suas escolhas), o gestalt-terapeuta interage mais por conta da relação dialógica.



Como a Gestalt entende o sintoma?


É focalizado como uma forma criativa de utilização de recursos disponíveis para superar as dificuldades de interação com o meio. Isso significa que para a Gestalt-terapia o sintoma não é entendido como um sinal de que o organismo está se desorganizando e sim como um sinal de tentativa de busca de organização.



O que é a neurose para a Gestalt-terapia? (Ver também AUTO-REGULAÇÃO)


A pessoa neurótica é a que perde contato com as suas necessidades legítimas e impede, ela mesma, o seu fluxo de auto-regulação.


Um exemplo ilustrativo poderia ser o de uma criança que foi impedida de manifestar suas preferências, tendo-as sempre desqualificadas pelos adultos. Mais tarde, ela tenderá a incorporar a crença de que não sabe escolher, esperando sempre que alguém escolha por ela.



Quais os conceitos básicos usados na clínica?


Auto-regulação

A Gestalt-terapia considera que todas as pessoas têm uma tendência, natural, para manter um equilíbrio entre a necessidade de gratificação e a eliminação das tensões.

Todavia, a ação do mundo sobre a pessoa em desenvolvimento, através da influência das figuras significativas como os pais, outros adultos e Instituições, promove uma espécie de desconexão (perda de contato) entre a pessoa e suas necessidades legítimas.

A pessoa, numa “barganha” com o mundo, sucumbe à vontade do outro, numa tentativa de reduzir a ansiedade decorrente do medo do abandono e vai aos poucos incorporando, como suas, as necessidades do outro, que muitas vezes são incongruentes com as suas necessidades legítimas.

Desse modo, a estratégia utilizada para reduzir a ansiedade torna-se um fator gerador de ansiedade, uma vez que, se por um lado a barganha reduz a ansiedade decorrente do medo do abandono, por outro lado, mantém a ansiedade decorrente da necessidade legítima não atendida.

De acordo com a Gestalt-terapia, é nesse contexto que a neurose é produzida.

 

Figura-fundo

A personalidade é concebida, em GT, como o organismo total e o processo de figura-fundo como o princípio geral de organização do organismo.

O organismo é uma totalidade, onde cada parte, que se torna uma figura, representa uma necessidade importante a ser atendida para o equilíbrio do organismo (auto-regulação), ficando o resto do organismo como o fundo.

O processo de figura-fundo retrata, também, a relação consciente e inconsciente em GT. A consciência é a figura e o inconsciente o fundo.

A GT não compartilha do conceito de um inconsciente do ponto de vista substantivo, isto é, como uma estrutura com dinâmica própria e determinante da consciência.

Todavia, considera a existência de processos inconscientes, aqui tomados como um advérbio, isto é, como um nível dos processos organísmicos.

Outra utilização do conceito de figura-fundo diz respeito ao modo como o gestalt-terapeuta observa o seu cliente: como uma figura que está inserida num fundo, que é o seu contexto (família, trabalho, posição sócio-econômico-cultural, etc.)

Ainda outra utilização poderia ser exemplificada pela queixa do cliente como sendo a figura e o seu processo neurótico como sendo o fundo.


Aqui-agora

De acordo com o Existencialismo e a Fenomenologia, bases filosóficas da Gestalt-terapia, a experiência humana ocorre no presente.

Desse modo, todo o trabalho da Gestalt-terapia é centrado no momento atual, implicando em que as experiências do passado e as expectativas sobre o futuro sejam presentificadas.

Por exemplo, quando o cliente traz um fato passado para a terapia  não é investigada sua relação causal com a situação presente, e sim os sentimentos, sensações e necessidades trazidos como vivências passadas mas que na verdade remetem à situação presente.


Awareness

É o “dar-se conta”, é o entendimento total de um processo.

Não é o mesmo que conscientização, embora em muitos livros seja, erroneamente, traduzido como tal. O termo consciência envolve, apenas, a percepção de um fato e não a sua compreensão.

Por exemplo, um pai pode ter consciência de que rejeita um filho sem, contudo, ter awareness sobre o processo de rejeição, isto é, não identifica todos os aspectos que constituem tal rejeição.

O neurótico tem muita consciência, todavia tem pouca awareness. A pessoa que teme ser rejeitada está atenta aos mínimos sinais da rejeição do outro, contudo não percebe os próprios comportamentos que provocam a rejeição do outro.


Contato

A noção do self em Gestalt-terapia é a de processo. A Gestalt-terapia utiliza a concepção de intersubjetividade ao invés de subjetividade, isto é, a pessoa só pode ser observada “em relação a”. Utilizando uma licença idiomática poderíamos dizer que uma pessoa não “é”, nem “está”, ela “vai sendo”.

Isso implica em que o indivíduo só pode ser analisado em relação, isto é, num encontro, consigo, com o outro e com o mundo.

Assim, o foco de trabalho do gestalt-terapeuta está nos modos de interação da pessoa, no “como” o indivíduo se relaciona.

A Gestalt-terapia acredita que a mudança nos modos de interação é o que determina as mudanças no indivíduo e em seu comportamento manifesto.



Qual o papel do terapeuta no modelo teórico?


O terapeuta participa ativamente como facilitador do processo de awareness do cliente, sua presença é fundamental como parte da relação EU-TU que deve ser estabelecida para que o cliente possa experienciar seus sentimentos e sensações.



Como a se dá a relação terapeuta-cliente na GT?


De acordo com suas bases filosóficas, a Gestalt-terapia acredita que a existência humana é relacional e que é no inter-humano, isto é, é na mutualidade do contato que se encontra a possibilidade de cura.


A terapia acontece no estabelecimento do diálogo terapeuta-cliente, que se caracteriza pela centralidade no presente, pela facilitação do processo de awareness do cliente e de uma postura não crítica e de subordinação do terapeuta ao diálogo entre ambos.

Sugerimos nesse ponto a pesquisa na obra de Richard Hycner.



Técnicas em Gestalt-terapia


A Gestalt-terapia permite ao terapeuta uma ampla possibilidade de recursos tanto do ponto de vista teórico quanto das técnicas, uma vez que tais recursos devem ser orientados por uma base filosófica e não pelos limites de uma teoria específica.


O principal método da Gestalt-terapia é o experimento, que tem por finalidade ajudar o cliente a vivenciar, sentir ou provar, geralmente de um modo simbólico, uma situação temida ou esperada. E todas as técnicas estão a serviço do experimento.


“As técnicas surgem no contexto da relação. Não há nada de errado com as técnicas em si mesmas, desde que não sejam impostas arbitrariamente na situação. Quando há um certo impasse nas sessões de terapia é totalmente apropriado utilizar uma das muitas técnicas que os terapeutas gestálticos consideram de ajuda através dos anos.[...] Contudo, é sempre necessário que haja uma relação de confiança que permita ao terapeuta usar certas técnicas” (Hycner, 1997)


Principais técnicas

  • Cadeira vazia: Cadeira ou almofada onde o sujeito projeta um personagem com o qual deseja se relacionar.

  • Dramatização: Experimentar uma situação vivida ou fantasiada para explorar sentimentos mal identificados, esquecidos, recalcados ou desconhecidos. É proibida a exteriorização violenta ou sexual e permitidas manifestações físicas de agressividade controlada ou ternura.

  • O monodrama: Variação do psicodrama de Moreno, onde o indivíduo representa, alternadamente, vários papéis da situação evocada.

  • A amplificação: Exagerar os indícios de reações emocionais subjacentes (mudanças na respiração, no tom de voz, no olhar, nos movimentos do corpo, etc.). Objetiva explorar os sentimentos, revelando aspectos imperceptíveis do processo do cliente.

  • O trabalho com sonho: “Em GT, não se aborda o sonho por livres associações ou interpretações, mas por uma descrição, seguida da "dramatização" sucessiva dos diversos elementos do sonho, com os quais o cliente é convidado a se identificar sucessivamente - em palavras e gestos - sendo cada um desses elementos considerado uma “gestalt inacabada” ou uma expressão parcial do próprio sonhador.”(Ginger, 1995)

  • A expressão metafórica: Uso de expressão artística (desenho ou pintura, modelagem, dança, música, etc.), com o qual o cliente deverá estabelecer uma relação simbólica.

  • Viagem de fantasia: Vivências fantasiadas onde o cliente projeta necessidades, desejos, medos, etc. A identificação com as vivências possibilita a conscientização das necessidades.



O que a Gestalt-terapia entende como psicodiagnóstico?


Um diagnóstico formal (aquele feito a partir de testes ou questionários) é realizado apenas quando existe a demanda de outro profissional, da saúde ou não, uma vez que tais demandas exigem algum tipo de classificação a partir de critérios pré-estabelecidos. A Gestalt-terapia é avessa ao uso de recursos de mensuração, por acreditar que eles: ou são desnecessários, por exemplo, numa conversa atenta podemos avaliar se alguém é pouco ou muito inteligente sem precisar recorrer aos testes; ou são limitadores, porque existe o risco de, a partir do diagnóstico, se deixar de lado outros aspectos da pessoa não relativos aos categorizados.


A orientação existencial-fenomenológica acredita que algum tipo de diagnóstico é sempre feito quando estamos com o nosso cliente, mas o que importa é a busca de significado , é a fenomenologia do cliente sobre aquilo que ele traz para a sessão e não categorizações que podem ser feitas a partir do que ele traz. Nesse caso, no nosso entender, quanto mais pudermos retardar uma categorização, mais produtivo tornaremos nosso trabalho. O diagnóstico deve oferecer “uma forma” e não colocar “numa forma”.


Na orientação existencial-fenomenológico, a ênfase não está nas medidas que utilizamos e sim no que pretendemos fazer com as medidas. Isso significa que os testes não são proibidos, especialmente quanto visam demandas que não sejam do processo terapêutico. Todavia, no processo terapêutico os testes objetivos devem ser recusados e os projetivos usados com muita parcimônia.



O que configura o processo de alta?


A interrupção do processo terapêutico se dá quando o indivíduo desenvolve uma atitude de responsabilidade quanto ao seu processo de auto-regulação, isto é, se mostra congruente em seu pensar, sentir e agir, em relação a si mesmo e ao mundo.


Na prática observa-se que o cliente não se mostra paralisado pela ansiedade em suas relações afetivas, de trabalho, etc.


Não há um caráter de alta definitiva, porque enquanto o sujeito viver, outras questões poderão surgir e novamente a necessidade de resgate da atitude de estar aware de suas necessidades.


Contudo, não há perda de awareness em relação à parte do seu processo existencial trabalhado na terapia.



Questões relacionadas ao dinheiro, tempo de tratamento, falta.


Em relação aos honorários o valor da sessão de Gestalt-terapia segue em geral a mesma tendência de outras abordagens, isto é, a tabela do CFP ou critérios de renome do terapeuta.


Em relação às faltas cada terapeuta define seus parâmetros de tolerância. O mais comum é o de que o cliente deve pagar as sessões em que falta sem aviso prévio.



Parâmetros éticos da Gestalt-terapia


Por conta da ênfase na relação o gestalt-terapeuta mantém uma postura de maior envolvimento com o cliente. Todavia tal envolvimento não deve ultrapassar os limites da relação terapêutica.


Por exemplo, o gestalt-terapeuta pode comparecer ao casamento do cliente ou visita-lo em caso de hospitalização, mas não pode comparecer a festas que tenham um caráter intimista. A presença nos ritos de passagem é permitida, pois são eventos sociais públicos.


O gestalt-terapeuta não pode atender seus parentes e amigos, como em qualquer abordagem. Não pode estabelecer relacionamentos afetivos ou relacionamentos comerciais com o cliente. Não pode emprestar dinheiro.


Na sessão terapêutica não são permitidas ações agressivas para o terapeuta nem manifestações sexuais explicitas (se masturbar, tirar a roupa, etc.)



Por que a Gestalt- terapia utiliza o termo cliente ao invés de paciente?


Porque acreditamos que o termo paciente foi adotado pela Psicologia por influência dos primeiros clínicos, que eram médicos, e dá uma idéia de que aquele que faz terapia deve ficar numa posição passiva em relação às orientações do terapeuta.


Acreditamos que o termo cliente seria mais adequado porque se refere a alguém que nos contrata para ajudá-lo. Como o nome cliente também vem sendo questionado pela associação a uma relação estritamente comercial, alguns gestalt-terapeutas tem utilizado o termo consulente.



Quais os principais motivos das pessoas que procuram essa terapia?


O leigo não conhece as diferentes abordagens da Psicologia, então normalmente procura o terapeuta que lhe for indicado ou o que ouviu falar bem ou que assistiu em algum evento ou ainda aquele do qual conhece algum cliente no qual tenha percebido mudança para melhor. O cliente que não é leigo busca, em geral, uma ênfase nas questões presentes e uma participação mais ativa do terapeuta. Quero dizer com isso que, na maioria das vezes, as abordagens recebem qualquer tipo de queixa. Acredito que somente a TCC, por conta de sua orientação focal e da indicação de muitos médicos, receba muitos casos de dependência e fobias, mas essa ênfase é muito mais por conta da ênfase na objetividade comum a muitos médicos e a TCC do que o alcance da abordagem.



Mudanças e situação atual da abordagem em termos de formação do clinico (o que é necessário para formação clinica em Gestalt-terapia)


A Gestalt-terapia surgiu incorporada ao Movimento Humanista na Psicologia e cresceu junto ao Movimento da Contra Cultura e por isso esteve, tradicionalmente, avessa à teorização. Por conta disso, o treinamento dos profissionais nessa abordagem foi durante muito tempo, predominantemente, vivencial, isto é, realizado em workshops. No Brasil, era comum a realização de workshops de um final de semana, uma vez por mês.


A medida em que a Gestalt-terapia foi crescendo e se transformando em abordagem orientadora não apenas da clínica da Psicologia como também de outros âmbitos do conhecimento humano, começou a existir uma preocupação com a sua epistemologia.


Atualmente muitos são os teóricos , preocupados com a teoria do conhecimento, propõem importantes reflexões  sobre a questão saber ou ciência, sem que a Gestalt-terapia se afaste de sua orientação fenomenológica. Tal atitude se reflete nos cursos de formação  em Gestalt-terapia que procuram não apenas instrumentalizar seus alunos em termos de prática clínica como também desenvolver neles  o interesse pelas questões epistemológicas, um exemplo disso é a obrigatoriedade da apresentação de monografia para conclusão do curso.





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